Mineradora quer montar MIT brasileiro, conta pesquisador daUnifesp que dirige novo instituto; órgão articula P&D da empresaAntes da crise mundial de 2008, o então pró-reitor de graduação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello, foi a uma reunião na mineradora Vale para apresentar uma proposta de parceria: estruturar cursos na área de engenharia para suprir a falta de profissionais no mercado. Em troca, a Unifesp pedia parceria com a empresa em projetos conjuntos de pesquisa e desenvolvimento (P&D). "Terminei a apresentação e recebi a proposta da empresa para dirigir a iniciativa de montar um 'MIT' da Vale. Fui tão bem-sucedido na minha persuasão que recebi uma contra-proposta", brinca o pesquisador, hoje diretor do Instituto Tecnológico Vale (ITV), que agora cuida das ações de ciência e tecnologia da empresa. O sonho da Vale é transformar seu instituto em um Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, dos Estados Unidos, centro de pesquisa de excelência mundial, origem de 73 ganhadores de Prêmios Nobel.
Foi assim que o médico, formado em 1982 pela Escola Paulista de Medicina, hoje Unifesp, mestre e doutor em Biologia Molecular pela mesma instituição, e pós-doutor em neurofisiologia pela Universidade da Califórnia (UCLA), chegou à área de mineração, assumindo a direção do ITV em fevereiro de 2009. Na interpretação dele, o que contou mesmo no seu currículo não foi tanto sua experiência como pesquisador ― Mello detém patentes internacionais relacionadas ao tratamento de epilepsia pós-traumática, que pode acometer pessoas que sofreram trauma na região da cabeça ―, mas sua experiência como administrador primeiro de seu laboratório, depois na pró-reitoria da Unifesp, onde ficou de 2005 a 2008; finalmente, os cargos que ocupou em entidades com poder de influenciar os rumos da política científica do País. "Na prática, eu sempre quis ser cientista. Fui para Medicina por determinantes familiares, mas desde que entrei na faculdade queria ser pesquisador. Pensei em fazer Física, Oceanografia", conta. "Em minha carreira, fui progressivamente exposto a atividades de natureza administrativa, que envolviam questões de política científica", diz. Na Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), foi secretário-geral por seis anos e vice-presidente por quatro anos. Há dois anos ocupou a presidência, e foi reeleito por mais dois. "A Fesb responde por 35% da ciência do Brasil. Isso dá uma visão abrangente do que é a ciência do País", comenta.
Mello também passou pelo CNPq, onde dirigiu o Comitê Fisiologia, Farmacologia, Biofísica e Bioquímica; e foi coordenador adjunto da diretoria científica da Fapesp, que financia a pesquisa em São Paulo, onde ocorre metade da produção científica brasileira. Foram cargos que novamente lhe deram uma boa visão do sistema de C&T nacional. Ocupou a Pró-Reitoria de Graduação da Unifesp quando a universidade ampliou consideravelmente seu porte: de cinco cursos de graduação, passou para 23, ampliando a área de atuação e criando cursos de Humanidades, como Filosofia, e Ciências Exatas, como Engenharia Química; tinha um campus, hoje conta com cinco; tinha 1.200 alunos, hoje são 3.800. Ao convite da Vale, Mello não respondeu na hora. Pediu tempo para conversar com a família e pensar. "Fiquei muito surpreso. Não vim pedir emprego, mas fazer uma proposta de negócio", lembra. Como missões importantes para Mello à frente do ITV estão a estruturação de um novo tipo de relação da empresa com o setor acadêmico e levar o ITV a ser um MIT brasileiro. A missão começou a ser cumprida com o primeiro edital, lançado em dezembro de 2008, no Pará. O ITV concedeu 86 bolsas para alunos de mestrado e doutorado no Estado que pesquisam temas de interesse direto da Vale, como planejamento energético com recuperação de energia do lixo e extração de células-tronco de tecido adiposo de bubalinos e bovinos. Luiz Mello recebeu a repórter Janaína Simões no dia 16 de setembro, na sede provisória do Instituto, no prédio da Vale no Centro do Rio de Janeiro.
Antes de falar do Instituto, poderia nos contar como é estruturada a atividade de P&D da Vale? A Vale tem uma estrutura descentralizada e relativamente grande de P&D, resultado da formação inicial da empresa e das subsequentes aquisições, como a Vale Inco [a Inco, empresa canadense, foi comprada em outubro de 2006 pela Vale, quando era a segunda maior produtora de níquel do mundo – Nota da E.]. Essa empresa tem um centro de P&D muito grande, importante e ativo na área de níquel. Temos o Centro de Desenvolvimento Mineral (CDM) e o Centro de Tecnologia de Ferrosos, na região de Belo Horizonte (MG). O CDM trabalha com várias outras atividades, como a parte de exploração, fertilizantes, cobre, outros minérios, metais. Já o Centro de Tecnologia de Ferrosos se dedica a minério de ferro e faz algumas coisas associadas a manganês.
Quantos pesquisadores a Vale tem hoje? Temos um quadro da ordem de 500 pesquisadores no Brasil e no exterior. Metade deles são doutores. Trabalhamos com o conceito de open innovation, modelo no qual o que conta é estabelecer colaborações e redes e o quão permeável se é ao relacionamento extra-empresa. Se a Vale tivesse 50 mil pesquisadores, as conversas ocorreriam muito mais dentro do que fora dela. E isso custaria muito dinheiro para a empresa. Mas, com os 500 pesquisadores de hoje, podemos estabelecer uma forte rede de colaboração, manter a empresa constantemente ligada ao que está acontecendo no resto do mundo, e ter agilidade e competência para detectar o que nos interessa, ajudar no desenvolvimento e nos apropriar dele enquanto um valor. É importante para a Vale estabelecer relações sólidas, de longo prazo, e perceber as possibilidades para ampliar a rede.
Como é a relação da Vale com universidades e institutos de pesquisa?Nossos centros de pesquisa sempre trabalharam em íntima relação com o setor acadêmico no Brasil e no exterior. Só no ano passado aportamos US$ 38 milhões em convênios para desenvolver projetos de interesse da empresa. Temos parcerias com a USP na área de logística, com a UFMG, na área de hidrometalurgia, e com a Universidade Federal de Ouro Preto em mineração, entre outras, aproveitando a expertise de cada instituição. Contudo, como ocorre com a maior parte das empresas, é uma relação de compra e venda, em que a empresa tem necessidade de um serviço, chega até a universidade que tem uma competência instalada e pode resolver aquele problema, e estabelece um convênio. O trabalho é executado, o resultado retorna para a empresa e ela melhora seu desempenho. No exterior, essa relação transcende a dimensão de compra e venda, é mais duradoura. Empresa e universidade tentam se enxergar como elementos mutuamente dependentes.
Por que tem sido assim?No passado recente, o setor acadêmico tinha dificuldade em trabalhar com o setor empresarial, uma resistência decorrente de uma orientação política, na qual o capital era visto quase como pecado no meio acadêmico. Temos hoje iniciativas das universidades e do setor empresarial para que isso se modifique. Concordo que a função número um da universidade é formar pessoas; todas as demais missões são acessórias, inclusive a de colaborar com o meio empresarial. Mas, ainda que esta seja acessória, pode se vincular à função da formação do recurso humano; afinal, alguns desses alunos vão trabalhar no setor empresarial. Nesse momento, diria que o setor acadêmico está permeável para uma relação mais estreita com o setor empresarial e que as empresas também reconhecem a maturidade do setor acadêmico para essa relação. Ambos tinham dificuldades. Na minha carreira como professor universitário, ao me relacionar com o setor empresarial, encontrei dificuldades por não ter interlocutor nas empresas no Brasil. Era comum a empresa me colocar para conversar com um diretor nos EUA ou na Europa porque, no Brasil, não havia com quem. Havia limitações de ambos os lados, que começam a diminuir e a dar espaço para um novo desenho dessas relações.
Quantas patentes tem a Vale? Qual o investimento em P&D?Temos de 300 a 400 patentes depositadas e concedidas. A empresa não era uma grande patenteadora. Estamos reestruturando essa área de propriedade intelectual, de forma a poder patentear aquilo que for relevante para a empresa e saber distinguir o que não é interessante proteger, pois nem tudo deve ser objeto de patente. Já o investimento em P&D em 2008 foi da ordem de US$ 1 bilhão, mas esse número embute um valor grande de prospecção, de exploração, que não é exatamente pesquisa, e é remotamente desenvolvimento. A chamada pesquisa mineral cai nessa categoria. Estamos procurando categorizar com mais clareza nossos indicadores. Os números de que dispomos nesse momento não são confiáveis para informar separadamente, por categoria, o nosso investimento.
A Vale inova mais por compra de equipamentos ou fazendo P&D?Inovamos fazendo P&D, trabalhando em novas rotas para processos minerais, por exemplo. Temos algumas iniciativas relacionadas à otimização de eficiência de maquinário, como revestir de titânio a pinça da caçamba do caminhão para impedir uma fratura e diminuir a soldagem, ou desenvolver materiais mais resistentes para trituradores, em que, de novo, temos o problema do contato do metal com minério que o desgasta. A empresa faz inovação nessa linha, mas reconhece que as inovações têm de transcender essa dimensão mais aplicada. Nesse sentido, a empresa deveria buscar inovar em outras áreas, como na redução no volume de efluentes e na diminuição de impacto ambiental. Progressivamente vai se instalando uma 'agenda verde', que deverá impactar qualquer empresa no mundo. A Vale precisa estar preparada para esse 'mundo verde' à medida que ele vai chegando.